SÉRIE - RETHINKING SUSTAINABLE DEVELOPMENT GOALS
time-reading-barometer | 2 minutes 13 seconds | 445 words | updated 14MAY22 | reshaped with love
a Jacinta era uma mulher-velha. a Jacinta sabia que era uma mulher-velha quando tocava no ventre outrora planície fértil e quente e encontrava um relevo seco e frio incapaz de florir. a Jacinta sabia que era uma mulher velha quando olhava o seu rosto outrora tela imaculada e encontrava traços preenchidos com histórias da vida que nunca tinha contado a ninguém. a Jacinta sabia que era uma mulher velha quando arrancava os pelos grossos e negros do queixo e se lembrava das-coisas que tinham ficado na vida por fazer. a-morte não assustava a Jacinta. o silêncio do esquecimento assustava a Jacinta. todos os dias para não se esquecer a Jacinta repetia as-coisas como quem repete uma oração de proteção. não havia dia em que a Jacinta não se arranjasse. a Jacinta não se arranjava por vaidade mas porque não queria ser esquecida feia. então repetia: bonita e arranjada. bonita e arranjada. bonita e arranjada. o António tinha sido o seu único amor. a Jacinta ainda se recordava do dia em que o António a tinha surpreendido nua no quarto. Ela tentou tapar-se mas ele delicadamente a impediu despindo-se também. ambos olharam para o corpo um do outro com os olhos de quem tinha encontrado no outro a intemporalidade do amor e não a vergonha gasta pelo tempo. por isso a Jacinta tinha chorado três dias seguidos sem parar quando o António faleceu. a Jacinta falava todos os dias com o António. conversas que ganhavam vida na cabeça da jacinta. conversas sobre como se sentia estranha num corpo que secava diariamente. sobre como se sentia estranha a viver numa mente que a enganava sempre que ela não estava atenta. sobre como se sentia estranha a viver num mundo que a excluía e a empurrava para o vazio do esquecimento. as conversas dentro da cabeça da Jacinta provocavam-lhe lágrimas de muita saudade. lágrimas que caíam sobre os seus sapatos de verniz verde azeitona. sapatos de verniz verde azeitona que o António lhe tinha oferecido num dia de aniversário esquecido. sapatos de verniz verde azeitona que a Jacinta agradecia a Deus por não lhe magoarem os joanetes. um dia aconteceu a Jacinta adormecer num sono profundo. a Jacinta foi esquecida bonita e arranjada.
#ODS1+ #ODS2 + #ODS3 + #ODS4 + #ODS5 + #ODS6 + #ODS7 + #ODS8 + #ODS9 #ODS10 + #ODS11 + #ODS12 + #ODS13 + #ODS14 + #ODS15 + #ODS16 + #ODS17 OBRIGADA, A TODO O HOMEM E A TODA A MULHER QUE AO LONGO DA SUA VIDA ALIMENTAM A INTEMPORALIDADE DO AMOR E ASSIM CONTRIBUEM PARA TRANSFORMAR O MUNDO, EM MELHOR-MUNDO.