SÉRIE - RETHINKING SUSTAINABLE DEVELOPMENT GOALS
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vicente dantas da cunha tinha oitenta e nove anos. o vicente vivia num quarto de lar para idosos e dividia o quarto com o alberto. o alberto tinha o defeito de fazer muitos-barulhos. barulhos que irritavam o vicente porque faziam-lhe lembrar dos-barulhos de mastigar comida com a boca aberta. boca que o vicente abria todos os dias para reclamar. é para o seu bem, senhor doutor, respondia a enfermeira. o vicente compreendia então que era doutor-de-alguma-coisa. dez horas da manhã. horas que o vicente conhecia porque eram horas do cheiro a pão e ovos. ovos que o vicente comia primeiro não porque gostasse mas porque tinham cor. barulhos e mais barulhos. irritação dos barulhos que faziam o vicente engolir a comida sem mastigar. com a cabeça cheia de barulhos o vicente caminhava todos os dias para a tabacaria onde tinha de comprar um postal com fotografias de animais. postal que tinha de enviar a-alguém. cabeça cheia de barulhos que não deixava saber a quem. tabacaria propriedade do antónio. antónio que não fazia barulhos. tabacaria que nesse dia tinha uma mulher que o vicente não reconheceu. o vicente pediu para falar com o antónio. a mulher respondeu qualquer coisa que o vicente não percebeu. barulhos e mais barulhos. venho cá mais tarde quando o antónio cá estiver porque ele já me conhece e sabe o que eu quero, disse o vicente. a mulher respondeu: eu também o conheço até já o deixei ir à minha casa-de-banho . o vicente ficou confuso. o vicente não se recordava de alguma vez ter pedido àquela mulher para ir à casa-de-banho. porém admitia ter sido possível. o vicente precisava de ir muitas vezes à casa-de-banho. a mulher lembrava o vicente da mariazinha que também se lembrava sempre de tudo. qualidade que o vicente se lembrava de apontar como grande-defeito. barulhos e mais barulhos. o vicente agradeceu e saiu lentamente da tabacaria sem o postal que tinha de enviar a alguém. barulhos e mais barulhos. ao chegar ao lar o vicente dirigiu-se para a biblioteca. estava lá o alberto. barulhos e mais barulhos. porque é que este homem me persegue para todo o lado? questionou o vicente furioso. barulhos e mais barulhos. alberto que caiu no chão. onda de barulhos e mais barulhos. o vicente deu um salto e correu para ajudar o alberto. barulhos e mais barulhos. o alberto apertou-lhe a mão e disse: amo-te muito, meu irmão. barulhos e mais barulhos. quando a enfermeira chefe chegou o alberto tinha parado de fazer barulhos. o vicente perguntou zangado à enfermeira chefe: porque não me disse que ele era o meu irmão?! enfermeira chefe que mexia os lábios pintados em câmara lenta. lábios pintados que desenhavam feitiços em tons pastel. meu querido senhor doutor talvez a dor da perda do seu irmão esteja a ser tão grande que não o deixe lembrar-se das minhas palavras de todos os dias. o vicente ouviu o barulho familiar dos pratos. feitiço dos lábios pintados quebrado. barulhos e mais barulhos. barulhos dos pratos que faziam crescer água na boca do vicente. abundância de saliva que fez o vicente esquecer a razão. barulhos e mais barulhos. aperto de tristeza no peito. deve ser da fome, pensou o vicente. baba limpa à manga da camisa. barulhos e mais barulhos.
#ODS1 + #ODS2 + #ODS3 + #ODS#4 + #ODS5 + #ODS 6 + #ODS7 + #ODS8 + #ODS9 + #ODS10 + #ODS11 + #ODS12 +#ODS13 + #ODS14 + #ODS15 #ODS16 + #ODS17 OBRIGADA, A TODAS AS PESSOAS IDOSAS PELA VALIOSA LIÇÃO DE HUMILDADE QUE ENTREGAM AO EGO-MUNDO.