Thursday, 6 March 2025

ESCULTURA DA IDADE E A IMPORTÂNCIA DO ENVELHECER BEM | RETHINKING SUSTAINABLE GOALS

SÉRIE - RETHINKING SUSTAINABLE DEVELOPMENT GOALS
1st published 3.Mar.2017


a Jacinta era uma mulher velha. os seus seios outrora firmes e redondos eram agora pêndulos sem norte. o seu ventre antes  planície fértil agora pronunciava um relevo que deixara de florir. as linhas que riscavam o seu rosto escreviam as histórias que nunca contara a ninguém. o seu cabelo perdera a abundância e na escassez mostrava uma calvície acentuada. calvície que a Jacinta disfarçava com uma peruca de cabelo farto. peruca que não era igual ao cabelo que sempre teve mas que para o efeito servia. vivia a Jacinta numa aldeia esquecida. aldeia esquecida porque por lá ninguém passava nem nidificava. esquecidos eram também os tempos em que nada era assim. na verdade a Jacinta não sabia o que se tinha passado nem com o seu corpo nem com a sua aldeia. aldeia onde tinha nascido. aldeia onde tinha crescido mulher e onde sem saber tinha envelhecido-mulher. a Jacinta não tinha medo de morrer, mas tinha medo de um dia deixar de conseguir andar. por isso todos os dias calçava os seus sapatos de verniz azeitona verde. vestia o seu vestido negro de algodão e colocava um lenço na cabeça não fosse o sol queimar. os sapatos tinham-lhe sido oferecidos pelo António por altura de um aniversário que a conta a Jacinta esqueceu. a Jacinta agradecia a Deus pelos seus pés se terem mantido finos e sem joanetes. afinal eram a única parte do corpo que tinha sido poupada à deformação. todos os dias a Jacinta caminhava para o cemitério. no cemitério a Jacinta fazia um périplo pela sua vida. a Jacinta começava pela campa dos pais onde os cumprimentava com cerimónia. ao lado dos pais estavam a irmã Emília e o irmão Henrique. A Jacinta sentava-se e falava com eles sobre a vaca da vizinha Emília que tinha acabado de ter um bezerro. sobre as alfaces que não tinham vingado e sobre as batatas que a chuva tinha abençoado. A Jacinta sabia que eles se preocupavam com os animais e com o cultivo da terra. depois a Jacinta parava na campa do Manuel o seu único filho. com o Manel a Jacinta falava sobre a filosofia e a arte da vida. O Manuel sempre acompanhou a Jacinta nas tertúlias sobre se a arte moderna deveria ser considerada uma manifestação artística ou um capricho. A Jacinta achava que era um capricho. o Manuel não. porém a diferença sempre os aproximou. Ao lado do Manuel existia um espaço que seria o seu. depois estava o António. o António tinha morrido há duas primaveras mas a Jacinta ainda sentia o cheiro do seu cachimbo a cobrir as paredes e as roupas de casa. A Jacinta apesar de sentir já não ter idade para o amor sentia o coração a palpitar sempre que se lembrava do António. na campa do António a Jacinta perdia horas a falar como se sentia estranha num corpo que secava diariamente. como se sentia estranha numa mente que a enganava. e como se sentia estranha numa aldeia cada vez mais só. A Jacinta e o António sempre falaram muito um com o outro. Ela recordou-se daquele dia em que o António a surpreendeu nua no quarto. Ela tentou tapar-se mas Ele delicadamente a impediu despindo-se também. ambos olharam para o corpo um do outro com os olhos de quem tinha encontrado a forma eterna da profundidade do amor e não a vergonha gasta do tempo. A Jacinta considerava ter tido sorte em ter casado com o António e ter crescido com o seu amor. depois de falar com o António a Jacinta ia para casa. pelo caminho a Jacinta derramava lágrimas de muita saudade pois quem lhe importava morava ali naquele pequeno cemitério. ao chegar a casa a Jacinta  fez umas papas porque era só o que conseguia mastigar. sentou-se na sua velha poltrona e adormeceu. a Jacinta foi encontrada pela amiga Joaquina da aldeia que escreveu: a eternidade encontrou e abençoou a Jacinta na paz do seu olhar


#ODS1 + #ODS2 + #ODS3 + #ODS#4 + #ODS5 + #ODS 6 + #ODS7 + #ODS8 + #ODS9 + #ODS10 + #ODS11 + #ODS12 +#ODS13 + #ODS14 + #ODS15 #ODS16 + #ODS17  OBRIGADA, A TODAS AS JACINTAS POR NOS ENSINAREM A VALIOSA LIÇÃO DA MEMÓRIA VIDA TER DE  ENVELHECER-BEM.